
Imagino que a declaração de Jesus: “Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos? Depois apontou para os discípulos: Aqui está a minha mãe e os meus irmãos! Aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” causou estranheza até aos seus familiares. Possivelmente terão ficado de olhos arregalados! Segundo o registo de Mateus 12: 48-50, foi esta a resposta dada por Jesus quando alguém o informou que a sua mãe e irmãos queriam falar com ele.
O episódio no mínimo insólito abre espaço para a nossa reflexão sobre o importante assunto da família, em particular sobre o lugar que ela deve ocupar na vida de cada um de nós. Será que Jesus está mesmo a valorizar a família espiritual em detrimento da família terrena?
Sobre o valor atribuído por Jesus à família terrena
Ficamos totalmente esclarecidos sobre o seu posicionamento quando Ele defende a honra que devemos aos pais, conforme previsto na lei, ao acusar escribas e fariseus de invalidarem hipocritamente essa mesma lei com uma das suas tradições (Mt 15:1-6). Se o valor que os filhos deviam aplicar para socorrer os seus pais fosse oferecido ao Senhor, prática da Corbã, o ofertante ficava dispensado dessa obrigação para com os pais. Esta é resumidamente a tradição que Jesus condena, porque para Ele a família terrena devia ser obviamente estimada e devidamente cuidada. No mesmo alinhamento, Jesus valoriza a família terrena quando defende o casamento. Questionado sobre o tema do divórcio (Mt 19: 4-6), Jesus refere-se ao matrimónio como um vínculo sagrado entre o homem e a mulher, instituído por Deus, firmado diante dEle e dos Homens, consumado pela relação sexual e indissolúvel.
Ainda sobre a sua própria família terrena, devemos lembrar o momento na Cruz, quando mesmo antes de expirar, Jesus tem ainda forças e lucidez para entregar a Sua mãe aos cuidados do discípulo João, num terno gesto de amor (Jo 19: 25-27). Temos tanto para aprender com Jesus! Ao render a Sua vida para redenção de toda a humanidade, certamente esmagado por um peso espiritual que nunca conseguiremos alcançar, Jesus não descarta a Sua responsabilidade enquanto homem e membro de uma família. Como estamos nós a gerir essa dupla responsabilidade, quer com a família terrena, quer com a família espiritual?
É também muito significativo encontrar os familiares de Jesus no grupo dos discípulos que aguardavam em oração pelo revestimento do Espírito Santo (At 1: 14). Esta é uma prova da forma como Jesus acabou por influenciar positivamente a Sua família, sendo que dois dos Seus irmãos, Tiago e Judas, viriam mesmo a integrar o restrito número de escritores do Novo Testamento. O mesmo Tiago destacou-se na liderança da Igreja em Jerusalém. Como estamos nós a influenciar os nossos filhos e/ou outros familiares?
Sobre o valor atribuído por Jesus à família espiritual
O episódio referido no início deste texto não deixa dúvidas. Com aquela surpreendente declaração, Jesus está a apresentar uma nova Família que Ele próprio está a constituir e para a qual Ele está a chamar a atenção dos Seus ouvintes: a família espiritual, a família de Deus, ou se preferir, a Igreja.
Uma só família sempre foi o plano de Deus. Como sabemos toda a humanidade tem a sua origem a partir de um só casal, e não de vários, no entanto o pecado afastou-nos totalmente desse paraíso. Claro que olhando para a nossa sociedade, somos tudo menos uma só família… Vemos divisão, divisão esta que se evidenciou logo na primeira família já contaminada pelo pecado, quando Caim assassinou o seu irmão Abel. E a matança nunca mais parou…
A Bíblia porém revela-nos que o plano de Deus desde a eqternidade, sempre foi voltar a juntar-nos novamente numa só família, onde o centro desse plano é Jesus. “Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade…” Ef 1:5-6. Somos assim membros desta família espiritual por opção, ao decidirmos responder com fé e arrependimento ao convite de Jesus, crendo Nele com Salvador e Senhor (Jo 1:11-13). Quando damos esse passo, algo maravilhoso e profundo acontece no coração do Homem, “Deus enviou o Espírito de seu Filho ao vosso coração, e ele clama: “Aba, Pai“. Assim, já não és mais escravo, mas filho; e, por seres filho, Deus também te tornou herdeiro.” Gl 4:4-7. Por isso dizemos que não temos uma religião, mas sim um relacionamento com Deus.
Sim, em Cristo somos Família de Deus, UMA SÓ FAMILÍA. “Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.” Gl 3:26-28. Na Igreja podemos ter os Carvalho, os Pereira, os Nunes, portugueses, angolanos, brasileiros, timorenses, ricos, pobres, assembleianos, batistas, nazarenos, pais, mães, filhos, avós, contudo e em rigor somos apenas e só, IRMÃOS, porque somos uma só família. “Por causa disso, me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome” Ef 3: 14, 15.
Este milagre da diversidade e unidade presente na Igreja, expressa a imensidão da sabedoria de Deus diante dos anjos, segundo Paulo em Efésios 3: 10.
Conscientes das nossas fraquezas desejamos muito ser essa família aprovada por Deus. Em Cristo sabemos que somos.