No evangelho segundo Lucas, lemos que Maria vivia na cidade de Nazaré, na Galileia, e estava prometida em casamento a José, um dos descendentes da família do rei David. Antes de consumado o casamento, a jovem Maria recebe a visita de um enviado de Deus, vindo dos céus, que o narrador (1:26) identifica como Gabriel. Este é portador de uma mensagem verdadeiramente extraordinária! A concretização dessa mensagem vai provocar profundas mudanças, primeiro em Maria e José, e depois na história da Humanidade.
A maneira afetuosa como o mensageiro de Deus se lhe dirige “Salve, agraciada; o Senhor é contigo. Não tenhas medo, pois achaste graça diante de Deus” (1:28,30), deixa a jovem perplexa e perturbada, mas agradecida na sua extrema humildade. Ela sabe que Deus, na sua essência, é benignidade, misericórdia e amor, e que a graça é um ato unilateral e gratuito do próprio Deus, sempre imerecida por qualquer criatura humana.
Mas quando Gabriel a informa que ela vai ter um filho (1:31-33), ao qual terá de pôr o nome de Jesus, e que “Este será grande e chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de David, seu pai, e reinará eternamente na casa de Jacob, e o seu reino não terá fim”, Maria fica perplexa, e confronta-o, numa linguagem franca, com uma questão biológica fundamental: “Como se fará isso, uma vez que não me relaciono sexualmente com nenhum homem?”
Com bonomia, Gabriel, o mensageiro, diz-lhe que isso vai acontecer por um ato que transcende as leis naturais, e sem mais explicações termina: (1:37) “Nenhuma coisa será impossível para Deus”. Maria decide aderir ao propósito divino e responde: (1:38)“cumpra-se em mim segundo a tua palavra”.
Deste modo, a gravidez de Maria estará isenta da intervenção humana, mas isso provocará interrogações no espírito de José e talvez dúvidas na opinião pública, resolvidas com o casamento, que, presumimos, teria acontecido antes da partida de Maria para visitar a sua amiga Isabel (1:39). O facto é que, quando visita essa sua parente, Maria já está grávida.
Tudo isto merece discussão, e embora conhecendo as acentuadas divergências e elaboradas teorias existentes entre os académicos e especialistas sobre estas questões, não pretendemos discuti-las aqui. Queremos somente refletir sobre a transcendente mensagem entregue a Maria sobre o futuro do seu filho, pois é, sem dúvida, o mais importante quando procuramos compreender a mensagem do nascimento do menino Jesus.
Com efeito, e apesar do esplendor das iluminações coloridas, da música evocativa que inunda as ruas da nossa cidade, dos concertos e outras manifestações artísticas, como os presépios, e até nas celebrações nas igrejas, essa mensagem do Reino, fica muitas vezes oculta e passa despercebida. O que o anjo Gabriel diz a Maria sobre o futuro do seu filho Jesus, não pode ser ignorado por ninguém, muito menos pelos que dizem acreditar Nele, porque é esse reino, anunciado e futuro, que Maria carateriza, em resposta às sublimes palavras que a sua amiga Isabel lhe dirigira:
“ (Deus) manifesta poder; dissipa os arrogantes nos pensamentos de seus corações; depõe dos tronos os poderosos, e eleva os humildes. Enche de bens os famintos e despede vazios os ricos, e auxiliou a Israel, seu servo, recordando-se da sua misericórdia” (1:51-53).
Lucas conta-nos a vida e a obra de Jesus desde o Seu nascimento até à Sua ascensão aos céus, sem omitir a crucificação, morte e ressurreição. Muitos homens e mulheres daqueles dias conviveram com Ele, quando, com cerca de 30 anos, se apresentou em público como Filho do Homem, assumindo a nossa natureza humana, e anunciando a missão que o trouxera a este mundo. Curiosamente, a mensagem do anjo Gabriel não referia os acontecimentos trágicos a que havia de ser sujeito, mas sim o futuro glorioso, que lhe estava reservado!
Jesus marca com a Sua vida e exemplo a história da Humanidade e é conhecido, honrado e adorado por muitos milhões de pessoas em todo o mundo, como Filho do Deus Altíssimo! A história não regista que tenha reinado ou reine em Jerusalém, nem que governe o povo de Israel, que continua à espera desse Messias Rei.
Assim, o cumprimento integral dessa promessa, que Maria ouviu da boca do anjo Gabriel é, ainda, uma expetativa para os crentes em Jesus, o Ungido ou Cristo (em grego), e também, sobretudo, para a nação israelita. O Reino é um ambicioso projeto, que faz parte do plano de Deus para a completa e total regeneração da sua criação, no qual também queremos participar!
Nesta conformidade, a mensagem desse Natal único, está grávida de um brilhante futuro para a Humanidade!
Jesus desenvolveu-se no ambiente geográfico, político e social, como qualquer outro judeu no Seu tempo. Na fase pública da sua vida terrena, esforçou-se por dar a conhecer esse Reino futuro, do qual eram prenúncio os grandes milagres, curas e maravilhas que efetuava entre o povo. Tudo o que fazia e dizia constituíam sinais da essência e aproximação desse reino sem fim, inundado de saúde, paz e bem-estar.
Muitos acreditaram que Jesus era o Messias de quem as escrituras do Antigo Testamento falavam. O estabelecimento desse reino é anunciado na profecia de Amós (séc. VIII a.C.) em anos de enorme prosperidade material em Israel e de grandes conquistas militares para consolidação das fronteiras do Reino do Norte. «Diz o Senhor»: “Naquele dia tornarei a levantar o tabernáculo de Davi, que está caído, e repararei as suas brechas, e tornarei a levantar as suas ruínas, e as reedificarei como nos dias antigos” (Amós 9:8,11).
Ora, este assunto, é de primeira importância e por isso central na mensagem de Jesus relatada nos evangelhos e noutros textos do Novo Testamento, quer antes, quer depois de ser ressuscitado, como lemos em Atos 1:3-6: “Depois de haver padecido, se apresentou vivo «aos seus apóstolos», com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando-lhes das coisas respeitantes ao reino de Deus”. “Aqueles, pois, que se haviam reunido perguntaram-lhe, dizendo: Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?”
Também a pregação primitiva, depois da ressurreição de Jesus, anunciava esse Reino como lemos em Atos 8:4-5; 12: “Filipe pregava acerca do reino de Deus e anunciava Jesus Cristo”.
Por outro lado, muitos anos depois, o apóstolo Paulo lembrava, no final da sua carreira: E, agora, na verdade, sei que todos vós por quem passei pregando o reino de Deus, não vereis mais o meu rosto” (Atos 20:25).
Estes textos refletem a esperança que os discípulos do primeiro século depositavam na chegada desse Reino, que tem como Rei o Ungido de Deus. Isto pode parecer estranho, mas considerem que Jesus, na sua luta contra o mal, ao dar a sua vida por todos nós, e ao ressurgir da morte, tornou-se definitivamente vencedor!
Caros leitores: Este reino anunciado, já está dentro do coração de muitos homens e mulheres que vivem hoje vidas dedicadas e empenhadas, colaborando na sua construção, ao praticarem os valores que Jesus Cristo ensinou.
Neste Natal só nos resta esperar, com a determinação da fé e com toda a humildade, resposta à nossa oração diária: “Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”.